Memórias
O ruído de uma escola
sob a perspectiva de uma criança, a correria do pátio, os passos no corredor. A
cortina pesada correndo no varão. O apagador deslizando na lousa, a voz aguda e
pausada da professora, uma mulher rechonchuda, bochechas salientes e um sorriso
branco.
Havia muito esperado
este dia, sentada na segunda fila observei a palavra Cida na lousa, já
reconhecia a escrita e até já escrevia alguma coisa, trabalho de minha irmã
mais velha que me ensinava tudo o que aprendia na escola. Descobri isso no
decorrer dos dias, as lições eram as mesmas que havia feito, através dos
cadernos e cartilha da minha irmã.
Uma versão melhorada,
isto era o meu primeiro caderno. Agora fico a pensar, quantas vezes a mesma
aula, as mesmas páginas a professora Cida orientou. Novidade só nas festas da
escola e na saudação semanal ao Pavilhão Nacional na frente da escola. O começo
do segundo ano foi a mesma coisa, nova professora, mesmas aulas, uma vez que
cumpria as minhas atividades e espiava os cadernos da minha irmã. A nova
professora, a do segundo ano, cabelos
compridos, dedos longos, até o olhar era comprido pouco conheci¸ pois nos
mudamos de cidade.
A nova escola era
maior, os corredores, o pátio, um campo atrás do prédio para o jogo de queimada, será que era por isso que as
crianças corriam mais? Um palco, nunca utilizado, nos servia de pique para as
brincadeiras. A professora, sempre de saia abaixo dos joelhos e sentada, tirava
a dentadura para assustar os alunos, eu como tinha curiosidade de tocar, uma
vez que, um dos meus familiares que fazia uso dos dentes artificiais não o
permitia, me aproximava, mais curiosa que amedrontada, transformei-me na
valente da sala. As aulas eram novas e
eu as cumpria, um garoto passava todas as respostas certas na lousa e
nós apagamos aquilo que havíamos escrito.
O terceiro ano foi o
melhor, já estávamos em outra cidade, a professora Orência entrava sorrindo e
logo preparava com giz colorido, no canto esquerdo da lousa, o quadrinho do leu
melhor, todo dia, pelo menos seis alunos liam, três meninos e três meninas eram
ouvidos, confesso que gostava do meu nome no quadro das garotas, e com pouca
modéstia, afirmo que todas as vezes que competia, meu nome estava lá, o meu e
do Arnaldo pelos meninos.
Esta professora de
dentes separados, sempre entulhava a sua mesa de coisas todo dia, embora
tivéssemos o livro escolar, pacotes de objetos, figuras e livros, no final dos
bimestres um bolo enorme, branco, ia para o centro da sala, e os três melhores
alunos eram premiados, fiquei com o primeiro lugar, mas troquei com o Arnaldo o
prêmio do segundo lugar, este era um livro, o outro um caderno de pintura.
A professora Orência
exigia que todas as carteiras fossem cobertas por plásticos, isso dava um aspecto
colorido para a sala, um pouco enfeada pelos plásticos sujos e um tanto
encardidos do Mauro e seus amigos, mesas estas que recebiam um esfregada da
professora de tempos em tempos. O mesmo Mauro que um dia recebeu,
disfarçadamente, um par de sapatos da professora. Na ocasião não entendi que
tipo de premiação estranha era aquela, se este era o aluno mais fraco da sala.
As aulas eram mais
alegres e a professora recolhia os cadernos de redações e os colocava, ou numa
enorme sacola cinza, ou nas prateleiras do armário da sala, levávamos para casa o caderno de lições e o
de tarefas.
A professora Clélia foi
a mestra do quarto ano, uma senhora de pele queimada pelo sol, olhar firme e
exigente, seu olhar calava a sala. Saía distribuindo pequenos tapas naqueles
que utilizavam os dedos para fazer as contas, acostumei-me a esconder as mãos
no guarda volumes das carteiras para contar nos dedos, quando na lousa,
disfarçava no uniforme escolar, a professora, sempre com olhar fixo na sala, só
contemplava a lousa após o eleitos terem finalizado os gigantescos problemas.
O quadro negro
comportava quatro problemas, quatro eleitos iam para lá, sempre se encaminhavam
e não retornavam aos seus lugares até concluí-los, acertadamente ou não. E eu
os cumpria, bem como, as demais tarefas e exigências, a melhor parte era quando
recebíamos o jornalzinho de uma editora, nos quais podíamos fazer escolhas e
encomendas. A professora enviava todos os pedidos e o dia em que chegavam e eram distribuído pela Dona
Clélia era uma festa, além da obra encomendada, recebíamos uma revista
Coquetel, até mesmo quem não comprava nada. Sofia , a desastrada; o livro de
ouro da mitologia foram alguns dos volumes adquiridos.
A professora caminhava
pelos corredores, serpenteando as fileiras, por diversas vezes, indo e vindo
enquanto fazíamos as lições, o olhar perscrutando os cadernos, aquela senhora
me parecia tão incansável quanto controladora. Nos seus inúmeros conselhos
sempre asseverava que se um dia tivéssemos medo, devíamos repetir “se Deus é por
nós, quem será contra nós” Soube de colegas que utilizaram tal frase nos dias
de prova.
Os primeiros quatro
anos, ao relembrá-los, percebo que muito nos foi imposto, escolhas existiram,
mas foram em menor quantidade,será que os gostos pessoais atrapalham o
aprendizado, duvido muito, o grande Paulo Freire orientava que utilizassem a
própria história de vida para alfabetizar.
Nos anos seguintes, a
situação não mudou muito, a diversidade de professores fazia-nos perceber que
havia um padrão, copiar e responder; com algumas exceções, o professor de
música do ginásio, atual Ensino Fundamental, ciclo II, que nos permitia as
escolhas das músicas, os cartazes que afixamos onde queríamos no segundo ano do
ginásio, as mímicas feitas para o
professor de Educação Artística do terceiro ginasial.
Cumprir, e saber que
muito disso ainda existe nas escolas. As razões pelas quais aprendemos isto ou
aquilo é discutido em sala de aula? Se é
necessário cumprir o quanto pode ser facultado ao aluno escolher dentro deste
processo?
Agora professora, sei
que as aulas da Dona Orência nos pareciam mais animadas porque esta nos ouvia e
se relacionava com o que era dito pelos seus alunos. Os demais, mesmo quando
brincavam e sorriam, determinavam e, em alguns casos, nem as dúvidas ouviam,
talvez tão preocupados também com o cumprir.
Fica a indagação, criar
no processo de ensino aprendizagem, para professor e alunos, é mais importante que cumprir?
Agora, professora
Ismália, aposto no sim.
Professora Ismália Cristina Ferraz - cursista
Ismalia, que riqueza de texto. Parabens . Edivaldo
ResponderExcluirIsmália parabéns pelo seu texto. kátia
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ResponderExcluire aprendizado. Isaac C.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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