segunda-feira, 29 de outubro de 2012


 
Memórias

 
O ruído de uma escola sob a perspectiva de uma criança, a correria do pátio, os passos no corredor. A cortina pesada correndo  no varão. O apagador deslizando na lousa, a voz aguda e pausada da professora, uma mulher rechonchuda, bochechas salientes e um sorriso branco.

Havia muito esperado este dia, sentada na segunda fila observei a palavra Cida na lousa, já reconhecia a escrita e até já escrevia alguma coisa, trabalho de minha irmã mais velha que me ensinava tudo o que aprendia na escola. Descobri isso no decorrer dos dias, as lições eram as mesmas que havia feito, através dos cadernos e cartilha da minha irmã.

Uma versão melhorada, isto era o meu primeiro caderno. Agora fico a pensar, quantas vezes a mesma aula, as mesmas páginas a professora Cida orientou. Novidade só nas festas da escola e na saudação semanal ao Pavilhão Nacional na frente da escola. O começo do segundo ano foi a mesma coisa, nova professora, mesmas aulas, uma vez que cumpria as minhas atividades e espiava os cadernos da minha irmã. A nova professora, a do  segundo ano, cabelos compridos, dedos longos, até o olhar era comprido pouco conheci¸ pois nos mudamos de cidade.

A nova escola era maior, os corredores, o pátio, um campo atrás do prédio para o jogo de  queimada, será que era por isso que as crianças corriam mais? Um palco, nunca utilizado, nos servia de pique para as brincadeiras. A professora, sempre de saia abaixo dos joelhos e sentada, tirava a dentadura para assustar os alunos, eu como tinha curiosidade de tocar, uma vez que, um dos meus familiares que fazia uso dos dentes artificiais não o permitia, me aproximava, mais curiosa que amedrontada, transformei-me na valente da sala. As aulas eram novas e  eu as cumpria, um garoto passava todas as respostas certas na lousa e nós apagamos aquilo que havíamos escrito.

O terceiro ano foi o melhor, já estávamos em outra cidade, a professora Orência entrava sorrindo e logo preparava com giz colorido, no canto esquerdo da lousa, o quadrinho do leu melhor, todo dia, pelo menos seis alunos liam, três meninos e três meninas eram ouvidos, confesso que gostava do meu nome no quadro das garotas, e com pouca modéstia, afirmo que todas as vezes que competia, meu nome estava lá, o meu e do Arnaldo pelos meninos.

Esta professora de dentes separados, sempre entulhava a sua mesa de coisas todo dia, embora tivéssemos o livro escolar, pacotes de objetos, figuras e livros, no final dos bimestres um bolo enorme, branco, ia para o centro da sala, e os três melhores alunos eram premiados, fiquei com o primeiro lugar, mas troquei com o Arnaldo o prêmio do segundo lugar, este era um livro, o outro um caderno de pintura.

A professora Orência exigia que todas as carteiras fossem cobertas por plásticos, isso dava um aspecto colorido para a sala, um pouco enfeada pelos plásticos sujos e um tanto encardidos do Mauro e seus amigos, mesas estas que recebiam um esfregada da professora de tempos em tempos. O mesmo Mauro que um dia recebeu, disfarçadamente, um par de sapatos da professora. Na ocasião não entendi que tipo de premiação estranha era aquela, se este era o aluno mais fraco da sala.

As aulas eram mais alegres e a professora recolhia os cadernos de redações e os colocava, ou numa enorme sacola cinza, ou nas prateleiras do armário da sala,  levávamos para casa o caderno de lições e o de tarefas.

A professora Clélia foi a mestra do quarto ano, uma senhora de pele queimada pelo sol, olhar firme e exigente, seu olhar calava a sala. Saía distribuindo pequenos tapas naqueles que utilizavam os dedos para fazer as contas, acostumei-me a esconder as mãos no guarda volumes das carteiras para contar nos dedos, quando na lousa, disfarçava no uniforme escolar, a professora, sempre com olhar fixo na sala, só contemplava a lousa após o eleitos terem finalizado os gigantescos problemas.

O quadro negro comportava quatro problemas, quatro eleitos iam para lá, sempre se encaminhavam e não retornavam aos seus lugares até concluí-los, acertadamente ou não. E eu os cumpria, bem como, as demais tarefas e exigências, a melhor parte era quando recebíamos o jornalzinho de uma editora, nos quais podíamos fazer escolhas e encomendas. A professora enviava todos os pedidos e o dia  em que chegavam e eram distribuído pela Dona Clélia era uma festa, além da obra encomendada, recebíamos uma revista Coquetel, até mesmo quem não comprava nada. Sofia , a desastrada; o livro de ouro da mitologia foram alguns dos volumes adquiridos.

A professora caminhava pelos corredores, serpenteando as fileiras, por diversas vezes, indo e vindo enquanto fazíamos as lições, o olhar perscrutando os cadernos, aquela senhora me parecia tão incansável quanto controladora. Nos seus inúmeros conselhos sempre asseverava que se um dia tivéssemos medo, devíamos repetir “se Deus é por nós, quem será contra nós” Soube de colegas que utilizaram tal frase nos dias de prova.

Os primeiros quatro anos, ao relembrá-los, percebo que muito nos foi imposto, escolhas existiram, mas foram em menor quantidade,será que os gostos pessoais atrapalham o aprendizado, duvido muito, o grande Paulo Freire orientava que utilizassem a própria história de vida para alfabetizar.

Nos anos seguintes, a situação não mudou muito, a diversidade de professores fazia-nos perceber que havia um padrão, copiar e responder; com algumas exceções, o professor de música do ginásio, atual Ensino Fundamental, ciclo II, que nos permitia as escolhas das músicas, os cartazes que afixamos onde queríamos no segundo ano do ginásio,  as mímicas feitas para o professor de Educação Artística do terceiro ginasial.

Cumprir, e saber que muito disso ainda existe nas escolas. As razões pelas quais aprendemos isto ou aquilo é discutido em sala de aula? Se  é necessário cumprir o quanto pode ser facultado ao aluno escolher dentro deste processo?

Agora professora, sei que as aulas da Dona Orência nos pareciam mais animadas porque esta nos ouvia e se relacionava com o que era dito pelos seus alunos. Os demais, mesmo quando brincavam e sorriam, determinavam e, em alguns casos, nem as dúvidas ouviam, talvez tão preocupados também com o cumprir.

Fica a indagação, criar no processo de ensino aprendizagem, para professor e alunos, é  mais importante que cumprir?

Agora, professora Ismália, aposto no sim.
 
Professora Ismália Cristina Ferraz - cursista

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